quarta-feira, 7 de julho de 2010

Há metafísica bastante em não pensar em nada

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e efeitos?
Que eu  tenho meditado sobre Deus e a alma?
E sobre a criação do mundo? 

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos 
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela.

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em mais nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafisica? Que metáfisica tem aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para quem vivem
Nem saber que não o sabem?
" Constituição íntima das coisas..."
" Sentido íntimo do Universo..."
Tudo isso é falso, tudo isso não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar numa coisa dessas.
É como pensar em razões e afins
Quando o começo da manhã está raiando,
E pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo á agua das fontes.

O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

(Por Alberto Caeiro, o poeta da natureza)

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